Resposta ao Poema de Alberto Martins
27/10/2010
Um homem de casaco
atravessa a rua
com seu cão
faróis
atrás das árvores
arremessam sua sombra
Contra o muro alto
da esquina
_ um homem com seu cão_
O que permanece dele em mim
que atravesso a rua para comprar pão?
Alberto Martins
Resposta a Alberto Martins
A dona e seu cão
Hoje de manhã eu a encontrei
e estava com sua Golden.
Olhou -me com a alegria
de quem tem seu cão por perto.
O que é um homem sem o seu cão
depois que ele se foi ?
Um pouco mais pobre
caminha ao lado de sua sombra
o dono e seu cão.
Celia Brandão.
Gosto desse post em particular. Ddedico aos mineiros chilenos que ao sair da Mina resolveram se casar. Descida ao útero e renascimento podem fortalecer o masculino.
Quando Nietzsche chorou
10/10/2010
Escultura de Tunga .
“O isolamento só existe no isolamento. Uma vez compartilhado ele desaparece.” ( Breuer se dirige a Nietzsche no filme Quando Nietzsche Chorou , baseado no romance de Irvin Yalom ). Nietzsche chora porque se sente livre ao entrar em contato com o significado de sua angústia. Lou Andrés Salomé foi o elemento de ligação anímico de grande importância na fundação da psicanálise. O Livro e o filme tratam de forma eloquente como o tema da sombra de Deus foi fundamental fundação da psicanálise junguiana. O conflito entre eros e poder , entre vínculo amoroso e individuação, angústia de morte e individuação estão presentes nos dois autores: Freud e Jung.
Irvin Yalom traduz com propriedade a importância da emoção do analista para a “Talking Cure”, idéia de Breuer, como precursora da psicanálise.
Nietzsche em Zaratrustra expressa seu sentimento de ser um homem fora de seu tempo e que portanto, só lhe resta o isolamento. Embora tomado como nihilista, Nietzsche fala de um deus morto para se referir à solidão de um homem dissociado de sua alma.
Anna Ó foi fundamental para a formulação do conceito de transferência e contratransferência Freudiano. No conceito freudiano o complexo de Édipo era o fulcrum dos processos transferenciais. Jung não elege um complexo em particular como fundador da transferência mas reconhece a transferência como fulcrum da análise. Para Jung a psique se projeta em busca da humanização de seu potencial arquetípico. A projeção é ingrediente da transferência e da contratrasnferência mas Jung não dá primazia a um complexo em particular na transferência. No Livro de Irvin Yalom a identificação projetiva, conceito de Melanie Klein também está presente como ingrediente do processo transferencial. A integração do consciente com o inconsciente aparece em todos os autores referidos como fundamento da cura analítica. Freud e Jung se separam quanto aos seus conceitos de inconsciente. Para Jung existe o inconsciente coletivo, acervo da memória ancestral e do potencial arquetípico. A transferência é também arquetípica.
Se Jung , Freud, Breuer, e Nietzsche tivessem prosseguido seu diálogo sem que o rompimento de Freud e Jung tivesse ocorrido em 1913 , talvez pudessem reconhecer mais pontes entre suas teorias.
A perda de um filho
07/10/2010
Quando eles
chegaram rindo
e correndo
entraram
na sala
e logo
invadiram também
o escritório
( onde eu trabalhava)
num alvoroço e rindo correndo
se foram
com sua alegria
Ferreira Gullar – (trecho de Poema Filhos do livro “Muitas Vozes”, de 1999)
“A perda de um filho é algo que você nunca mais se recupera.” Em entrevista dada à revista Bravo de outubro de 2010.
Na entrevista Ferreira Gullar relata que perdeu um de seus filhos nos anos 90 com cirrose aos 34 anos de idade.
Sente que não deu a devida atenção aos filhos.
Esse sentimento, a culpa é recorrente no caso da perda de um filho. Os pais esperam sempre que irão embora antes dos filhos e quando o contrário acontece o sentimento de culpa e a impotência são muito grandes. O sentimento de amputação é relativo a uma parte arrancada da própria identidade vivida no filho. Como na música de Chico Buarque:
Chico Buarque
Oh, pedaço de mim
Oh, metade afastada de mim
Leva o teu olhar
Que a saudade é o pior tormento
É pior do que o esquecimento
É pior do que se entrevar
Oh, pedaço de mim
Oh, metade exilada de mim
Leva os teus sinais
Que a saudade dói como um barco
Que aos poucos descreve um arco
E evita atracar no cais
Oh, pedaço de mim
Oh, metade arrancada de mim
Leva o vulto teu
Que a saudade é o revés de um parto
A saudade é arrumar o quarto
Do filho que já morreu
Oh, pedaço de mim
Oh, metade amputada de mim
Leva o que há de ti
Que a saudade dói latejada
É assim como uma fisgada
No membro que já perdi
Oh, pedaço de mim
Oh, metade adorada de mim
Lava os olhos meus
Que a saudade é o pior castigo
E eu não quero levar comigo
A mortalha do amor
Adeus
Na letra da música de Chico é descrito o sentimento de melancolia em que a saudade é uma presença, a única presença possível do filho que já morreu. Arrumar o quarto ainda é sentir a presença. Continuar a navegar sem permitir que o barco da consciência atraque no cais e traga em sua concretude a ausência é a alternativa que pode ser viabilizada. A lembrança de quem se foi é ainda uma forma de presença e de adiar a perda.
A saudade é o revés do parto porque eterniza a fusão com o filho que não pode se desgarrar para seguir o próprio destino. Aceitar que o destino do filho é dele e sobre o qual não podemos arbitrar é deixar ir como no parto e elaborar o luto.
Mas esse “delivery” , “deixar ir”, “entregar”é um processo penoso pelo qual passa o enlutado na elaboração de sua perda. Certamente , no exercício do desapego se dará um crescimento espiritual se a perda puder ser transformada em uma ação de amor, de um amor renascido em direção ao outro e à própria vida.
Na melancolia carrega-se eternamente a mortalha do amor perdido como diz Chico em seus versos: “Eu não quero levar comigo a mortalha do amor, adeus.”
Em um grupo de psicoterapia, um casal se culpava por ter cometido um aborto. Nesse caso tinham optado por não ter o filho. O sentimento de culpa e o de responsabilidade eram terríveis. Embora soubessem as circunstâncias em que haviam feito essa escolha nada os acalmava. Foi necessário encenar a possibilidade do perdão do filho para que algum alívio ocorresse. Essa é uma situação extremada de culpa , mas quando a morte ocorre sem qualquer arbítrio dos pais, ainda o sentimento de culpa e impotência ocorrem por não terem podido salvar o filho. Esse mesmo sentimento ocorre em abortos expontâneos.
Na elaboração criativa da perda é preciso sair do sentimento de culpa para o de comunhão com o todo em que nos sentimos parte de uma existência da qual não temos controle absoluto. Essa constatação pode ser um alívio na dor, mesmo que de uma dor que nunca passa, como disse Ferreira Gullar.