Não existe amor em SP

Um labirinto místico

Onde os grafitis gritam

Não dá pra descrever

Numa linda frase

De um postal tão doce

Cuidado com doce

São Paulo é um buquê

Buquês são flores mortas

Num lindo arranjo

Arranjo lindo feito pra você

Não existe amor em SP

Os bares estão cheios de almas tão vazias

A ganância vibra, a vaidade excita

Devolva minha vida e morra afogada em seu próprio mar de fel

Aqui ninguém vai pro céu

Não precisa morrer para ver Deus

Não precisa sofrer pra saber o que é melhor pra você

Encontro tuas nuvens em cada escombro, em cada esquina

Me dê um gole de vida

Não precisa morrer pra ver Deus

http://youtu.be/f35HluEYpDs

O rapper Criolo dá uma aula de psicologia e de como viver na grande metrópole sem ser tragado.  Sabedoria de quem cresceu às custas do próprio esforço e talento. Mostra que “não existem fronteiras”para sua poesia como canta em outra música sua.

“No líquido cenário da vida moderna, os relacionamentos são bençãos ambíguas. Oscilam entre o sonho e o pesadelo, e não há como determinar quando um se transforma no outro. Na maior parte do tempo esses dois avatares coabitam, em diferentes níveis de consciência. No líquido cenário da vida moderna, os relacionamentos talvez sejam os representantes mais comuns, agudos, perturbadores e profundamente sentidos da ambivalência.” Zigmunt Baumann

Na letra de criolo essa ambivalência está presente.

[…]”São Paulo é um buquê. Buquê são flores mortas. ”

[…] Numa linda frase

de um postal tão doce

Cuidado com doce

Como doce a megalópole atrai e vicia. Quem já comeu desse doce sabe. E Criolo sabe.

Acabei de ler a crônica de Drauzio Varella sobre “Luiz Nars” , nome de seu amigo falecido na semana passada. Drauzio traz sua experiência de ter tido um amigo, de adolescência : “era um daqueles companheiros de adolescência que ao encontrarmos depois de meses ou anos de separação involuntária, a intimidade se restabelece instantâneamente sem solução de continuidade, como se tivéssemos nos visto na véspera”.

Ontem no almoço tive a mesma experiência . Só que felizmente , estávamos todas vivas, ali falando da vida, dos filhos , dos netos, da psicologia, dos novos desafios profissionais , do seio grande ou pequeno, das rugas, dos amores, do processo de vida de cada uma que se impunha como o elo primordial.

Éramos depois de 36 anos, ainda meninas da Psico_ Usp. Cada uma com sua história mas com o nosso laço de vida intacto.Vivemos aquele tempo juntas . Época do final da ditadura militar, da febre de novas tendências em psicologia, da liberdade ainda podendo ser vivida no nosso reduto: o Campus. Um tempo em que o Bosque da Biologia era seguro.  Em que pegávamos carona com qualquer um disponível que passasse por lá. Um tempo que não se apagará mais. Como era gostoso perceber que falávamos a mesma lingua. Desfilávamos os autores : Klein, Winnicott, Jung, Lacan e isso era apenas um detalhe, uma referência, um símbolo do que nos une, meninas da psico.

O tempo se eternizava nas falas que mesclavam passado, presente e futuro.  Os filhos…ah…os filhos, que delicia falar deles. Cresceram talentosos, artistas, músicos ou executivos, missão cumprida.  Quantos amores? Como se separava naquele tempo!…E por que não fotos que nos ajudem a perceber esse tempo que não morreu ? A garçonete se dá conta de que nossa amizade  era bastante antiga e ao imaginar nossa idade se surpreende. Ela estava ali identificada com as meninas que estavam tão vivas como em 1975.

Alguém diz: Não somos idosas! Não somos mesmo… Nos sentimos jovens e sentimos que as perdas do passar dos anos se atenuam quando podemos conviver, como disse o Dráuzio, “com os personagens que construíram nossa história”. 

Não vamos esperar perder os amigos para nos dar conta de sua importância em nossas vidas. Tenho a felicidade de ter a Turma do Colégio de Aplicação, da  Psicologia da USP, da SBPA ( Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica), dos amigos de  juventude, e os que tiveram os filhos junto e compartilharam a mesma época a quem dedico esse post.

 

http://youtu.be/vHs8DmNlP2​8

Acabara de ter uma crise de tosse daquelas que parece que o ar não vai entrar mais. A experiência de estar sufocado, pensava, é muito próxima da impotência frente ao imponderável. Uma tarde de muito frio na Vilaboim e tomo um taxi que me levaria ao banco e depois ao consultório. Informei o taxista sobre nosso trajeto.  Ao informar que o banco se encontrava na outra pista da avenida , oposta à aquela por onde íamos, o taxista não conteve seu desconforto. Foi me perguntando sobre a possibilidade de irmos a uma outra agência e se queixando da situação pela qual se sentia vitimizado, disse-me que não faria uma conversão proibida porque  seria multado e que tinha mais multas na carteira do que as cirurgias que já fez na vida. Em menos de cinco minutos despejou -me um balde de reclamações e não pensando em nenhum momento  em fazer um outro caminho parou do outro lado da rua em frente ao banco e me solicitou que saísse e que poderia descontar a bandeirada.  Eu permanecia calada, estarrecida, dado que lhe havia informado nosso destino quando entrei no taxi. Paguei e fui embora, sem a menor disposição de tentar fazê-lo analisar sua atitude. Ele me agradeceu como que estranhando a ausência de uma reação nervosa minha em represália à sua descortezia.

Ao sair do banco retomei a pé o rumo intencionado e ao passar pela Rua Baronesa de Itú vi um casal de moradores de rua sentados à porta de um restaurante e um segurança ao seu lado, com cara de poucos amigos e que os intimava a sair dali.

O rapaz se levantou e chamou a menina: Deise , vem Deise ! Sinalizava que não se demorasse porque o segurança iria prendê-la.

Ao se voltar para trás me viu e me disse algo que não entendi mas continuei olhando para ele com um sentimento de tristeza, compaixão e impotência ao mesmo tempo quando sou  então surpreendida com sua fala e com seu sorriso para mim:  Deus abençõe a senhora. A senhora é muito linda !

 Parece que o fato de ter apenas olhado para ele foi  um acolhimento.  Um despossuído de bens os mais primários foi capaz de sensibilidade e generosidade no gesto.

Leu o que estava escrito em minha testa? Estava em contato com meu lado que às vezes também pode se sentir mendigo ?

Ele atravessou a rua ainda chamando sua amiga ou irmã ou quem sabe namorada …Deise que tomava mais um gole e reunia os pertences de sua casa itinerante .

Continuei o meu caminho, pensando o quanto aquele taxista estaria se sentindo miserável , sem nada para oferecer .Compaixão e generosidade são dons divinos mas é preciso olhar para o mendigo que existe em  cada um de nós. O que se sente mais miserável pode suportar sua dor , se o sentimento de compaixão pelo outro e pelos fatos de sua vida não tiverem morrido apesar das dores.

Negar o mendigo interior é negar a própria sombra que vai roubar a direção do carro e sair em desgoverno..

Carro desgovernado

Vida desgovernada

O eu desgovernado

 Desgoverno.

Cegueira da alma

Morte  psíquica

 Morte.

Jovens na calçada

 Com vendas nos olhos

Ensaiam sobre a cegueira

Como Saramago.

Para ver é preciso abrir os olhos da alma.