Separação e processo simbólico de elaboração
14/05/2015
Quando nos separamos de alguém que amamos o que fica é a memória dos bons momentos. Voltamos aos mesmos lugares para nos apossar do vivido. De tanto rever os objetos, os lugares, ouvir a música e a voz que gravamos permitimos que esse ser que amamos nos habite, una-se à nossa história como uma camada de nossa pele. Essas imagens convertem-se em memória do vivido e do não vivido. Consola-nos ouvir histórias mesmo que contadas por outros a respeito do ser amado. A cada detalhe dessa história é mais um se apossar de sua imagem, de possuí-lo. Mas esse se apossar depende de nossa capacidade de imaginar, de fabular e fazer sonhos. Reconstruímos a imagem do outro e nossa memória utilizando o conhecido e o que imaginamos.
Assim também faz o artista que se apossa da realidade se transformando e transformando-a. Quando nos afastamos do outro percebemos como é tênue o limite entre o que vemos e o que imaginamos. Quem era ele/ Quem sou eu? Essa possibilidade de utilizar a própria sensibilidade e imaginação para reconstruir a imagem do outro e de si mesmo é o campo da arte como também da psicologia por caminhos diferentes. A utilização da imagem como símbolo na psicologia demonstra que é possível acessar sentimentos, emoções através do pensamento sintético, das imagens, da música, da linguagem poética.
Quando nos afastamos do convencional, das justificativas racionais, das explicações e atribuições de culpa e responsabilidade diante dos fatos, podemos acessar o essencial, o que nos une e nos separa do outro.
Na prática de lembrar e relembrar se dá o trazer e mandar embora aquele que amamos. Mas agora permitindo a permanência dos rastros.
A arte possibilita essa mediação entre os dois momentos: o da presença concreta do outro e o de sua ausência inaugurando uma outra presença, essa simbólica. Cantar a cantiga que chora o morto é uma maneira de trazê-lo de volta para reafirmar sua partida.
Desenhar a presença do outro no meu imaginário pode ser trazê-lo, humanizá-lo mesmo na sua ausência. A arte possibilita o ver através do mais imediato e óbvio, criando novas perspectivas de percepção. Bebe e se lambuza da realidade para transformá-la.
Posso reinventar uma história vivida escrevendo um poema. A linguagem poética suspende a explicação racional para instalar o espaço do sentir e da experiência. Instala-se em um tempo simbólico, não linear, que permite a superposição de imagens, a coexistência das contradições, o diálogo entre o bem e o mal, no qual não há mais culpados e vítimas.
Tricot e Alma.
08/01/2011
Tricot é objeto transicional durante a gravidez, quando esperamos um filho ou um neto. A cada carreira encenamos o tempo passando. Quando erramos, treinamos a paciência, de desmanchar e recomeçar. A cada obra executada um grão de amor se deposita na alma.
Tricot ( Poema de Nícolas Brandão)
Fácil é o ponto
que de ponta em ponta
é ponto
é pronto
simples é a linha
que alinha
ponto após ponto
gostoso é o espaço onde tudo se deita.
Sexualidade e símbolo
27/04/2010
Em sua obra os arquétipos e o inconsciente coletivo Jung afirma que:
“O símbolo é a antecipação de um estado nascente de consciência.Tudo que o homem deveria mas ainda não pode viver em sentido positivo ou negativo, vive como figura e antecipação mitológica ao lado de sua consciência, seja como projeção religiosa ou- o que é mais perigoso- conteúdos do inconsciente que se projetam então em objetos inconscientes , como por exemplo, em doutrinas e práticas higiênicas e outras “que prometem salvação”. Tudo isto é um substitutivo racionalizado da mitologia que, devido a sua falta de naturalidade, mais prejudica do que promove a pessoa humana”.
O símbolo e a mitologia emergem da relação direta do homem com a natureza e é a nossa forma de interpretação do mundo. Para Jung os símbolos do si mesmo surgem da profundeza do corpo e expressam sua materialidade, como também a estrutura da consciência discriminadora. O símbolo tem uma dimensão no instinto e uma no espírito. Diz Jung: “O símbolo é o corpo vivo, corpus et anima. Em seu nível mais baixo a psique é pois simplesmente mundo.” Estamos inseridos na cultura e no inconsciente coletivo .
A sexualidade portanto, é um símbolo do inconsciente coletivo . Todo arquétipo é um recipiente que não podemos esvaziar ou encher totalmente. Assim são os símbolos e as imagens do inconsciente coletivo
Narcisismo
22/08/2009
Cruzando as fronteiras de narciso,
Vi nascer a construção do belo.
Narciso jaz na busca de si mesmo,
Do belo que se constitui do gesto.
Fronteira tênue entre narciso e eco,
Próximos mas não identificados.
Flor de narciso bela e sempre igual,
A ecoar nua no pantanal.
Ao esculpir o belo ressuscitas,
A comunicação que ecoava no vazio.
Retornas àquele que perdera,
Na estética da alma, a auto-estima.
O que é uma análise ?
28/07/2009
Foto de Mariana Brandão
Durante sua formação o analista realiza incursões profundas em seus afetos e se deixa afetar, influir pelo outro. Podemos entender esse outro como uma abstração, como parte da configuração psíquica de todo indivíduo, ou então, como o outro “de fato”, aquele que existe além de mim.
Cabe ao terapeuta a partir de suas experiências anímicas buscar a compreensão do outro. O que nos desafia é sempre a outra alma humana. As limitações estabelecidas pelo outro são sentidas em qualquer relacionamento ora como a gratificação e redenção ora como a tragédia da própria relação.
A forma de compreensão que temos de nossas vivências emocionais pode conduzir nossos desenvolvimentos para caminhos mais ou menos saudáveis.
É esse o papel do terapeuta e do analista: caminhar junto com seus pacientes como mediador da busca de uma melhor qualidade de comunicação com seu inconsciente e símbolos.
A esse caminho de auto-construção que se dá a partir da relação dialética entre consciência e inconsciente Jung chamou de processo de individuação.
Bem, mas trocando em miúdos, o que é análise mesmo ? Só passando por ela.
Quintal da minha infância
27/07/2009
Separação, morte e criatividade
26/07/2009
Separação : Morte e Criatividade
Hoje as crianças são iniciadas , desde a mais tenra idade , na fisionomia do amor e do nascimento:no entanto, quando não vêem mais o avô e perguntam por que, respondem-lhes,na França, que este viajou para muito longe, e , na Inglaterra , que descansa num lindo jardim onde crescem as madressilvas.Já não são as crianças que nascem de repolhos mas os mortos que desaparecem por entre as flores. Os parentes dos mortos são, então coagidos a fingir indiferença. A sociedade exige deles um autocontrole que corresponde à decência ou à dignidade que impõe aos moribundos. No caso destes, como no do sobrevivente, é importante nada dar a perceber de suas emoções.( Ariés , P História da morte no Ocidente)
‘Nossa opinião sobre a voz interior move-se em dois extremos: ou a vemos como um desvario total ou então como a voz de Deus. A ninguém ocorre que possa haver um meio termo valioso. O “outro’que responde deve ser tão unilateral, por seu lado quanto o eu. Do conflito entre ambos pode surgir verdade e sentido, mas isto só no caso de que o eu esteja disposto a conceder a personalidade que cabe ao outro. Este ultimo tem uma personalidade própria, sem dúvida, tanto quanto as vozes dos doentes mentais ; porém um colóquio verdadeiro só se torna possível quando o eu reconhece a existência do interlocutor.”(Jung G.C.,Arquétipos e Inconsciente coletivo par.237)
Vivemos várias separações durante a vida : da casa dos pais , dos vários objetos de amor, das nossas idealizações e a perspectiva da separação da própria vida pela morte.
A elaboração de uma ausência envolve um processo de rendição egóica. A possibilidade da superação da perda e da separação reivindica, por outro lado, um ego capaz de valores próprios e do reconhecimento do outro.
A proibição ou a negacão do luto diante de uma perda afetiva tem se intensificado frente à necessidade de desempenho social e de domínio em nosso cotidiano.
A impossibilidade de viver o luto, a falta de acolhimento social para o sofrimento nos lança em um movimento de negação e na necessidade de desfazer precocemente o sentimento de perda na consciência.
Algumas manifestações ou síndromes psíquicas aparecem como escape à vivência do luto e da separação.
“Como viver com a certeza da morte e da separação?
Para alguns autores o medo da morte está na raiz do medo da mudança.
De outro lado, reconhecemos que recusar a mudança é estar morto agora.
Se a necessidade de desfazer a separação na consciência antecede a elaboração do luto instala-se a melancolia. Viver melancòlicamente é permanecer atado à lembrança de uma antiga presença. A elaboração de uma ausência se faz na inauguração da possibilidade de uma nova presença , na consciência. Reinstala-se, então, o movimento criativo da psique.