661px-Tristan_Iseult_fountain_Louvre_OA10958Há algum tempo venho querendo lhe escrever e responder ao seu último email. Ao mesmo tempo, me pareceria melhor conversar com você e dizer o que tenho a dizer em viva voz. Mas pelo menos será por escrito.

Como você pode ver, não tenho estado bem ultimamente. É como se não me reconhecesse na minha própria existência. Uma espécie de angústia terrível, contra a qual não posso fazer grande coisa, senão seguir adiante para superá-la, como sempre fiz. Quando nos conhecemos, você impôs uma condição: não ser a “quarta”. Eu mantive o meu compromisso : Há meses deixei de ver as “Outras’, não achando obviamente um meio de vê-las, sem fazer de você uma delas. Achei que isso bastasse; achei que amar você e o seu amor seriam suficientes para que a angústia que me faz sempre querer buscar outros horizontes e me impede de ser tranquilo e, sem dúvida, de ser simplesmente feliz e ‘generoso”, se aquietasse com o seu contato e na certeza de que o amor que você tem por mim foi o mais benéfico para mim, o mais benéfico que jamais tive, você sabe disso. achei que a escrita seria um remédio, que meu “desassossego” se dissolveria nela para encontrar você. Mas não.  Estou pior ainda; não tenho condições sequer de lhe explicar o estado em que me encontro. Então, esta semana, comecei, a procurar as “outras”.

E sei bem o que isso significa para mim e em que tipo de ciclo estou entrando.

Jamais menti para você e não é agora que vou começar.

Houve uma outra regra que você impôs no início de nossa história: no dia em que deixássemos de ser amantes, seria inconcebível para você me ver novamente. Você sabe que essa imposição me parece desastrosa, injusta ( já que você ainda vê B., R., …) e compreensível (obviamente….); com isso, jamais poderia me tornar seu amigo.

Mas hoje, você pode avaliar a importância da minha decisão, uma vez que estou disposto a me curvar diante da sua vontade, pois deixar de ver você e de falar com você, de aprender o seu olhar sobre as coisas e os seres e a doçura com a qual você me trata são coisas das quais sentirei uma saudade infinita.

Aconteça o que acontecer, saiba que nunca deixarei de amar você da maneira que sempre amei desde que nos conhecemos, e esse amor se estenderá em mim e, tenho certeza, jamais morrerá. Mas hoje, seria a pior das farsas manter uma situação que você sabe tão bem quanto eu ter se tornado irremediável, mesmo com todo o amor que sentimos um pelo outro. E é justamente esse amor que me obriga a ser honesto com você mais uma vez, como última prova do que houve entre nós e que permanecerá único.

Gostaria que as coisas tivessem tomado um rumo diferente.

Cuide de você.

X

( Esse é o conteúdo integral do e-mail recebido por Sophie Calle de seu namorado encerrando o relacionamento que deu origem à sua iniciativa de convidar 107 mulheres , de acordo com sua profissão, para interpretar a carta  do ponto de vista profissional. Analisá-la, comentá-la, dançá-la. Essa era uma forma de se dar um tempo para elaborar a perda e de seguir a risca a recomendação : Cuide de você.

Transcrevo a qui o e-mail com a idéia de continuar a reflexão. O que você sentiria se recebesse esse e-mail? Já recebeu algo semelhante? Já foi encerrado um relacionamento seu de forma parecida ? Deixe um comentário.