Stela do Patrocínio ou… a gente se vê por aí.
31/07/2010
O site Confraria- revista e literatura publicou poemas de STELA DO PATROCÍNIO, paciente psiquiátrica , nascida em 1941, internada por 30 anos na colônia Psiquiátrica Juliano Moreira. A riqueza das fabulações de Stela impressionou a artista plástica Neli Gutmacher. ” Interna desde 1962, Stela se destacava dos outros pacientes por sua fala peculiar, com alto teor poético. Algumas de suas falas foram gravadas em fitas cassetes e, quase quinze anos depois, foram transcritas, organizadas em forma de poesia e reunidas em livro pela escritora Viviane Mosé. “Reino dos bichos e dos animais é o meu nome” atingiu tal repercussão que, em 2002, tornou-se finalista do Prêmio Jabuti e, em 2005, levou a fala de Stela a ser transformada em ópera pelo compositor Lincoln Antonio. Apesar de amplamente divulgados e acolhidos com entusiasmo por poetas e intelectuais, seus poemas permanecem relativamente desconhecidos do público em geral, talvez pela falta de uma divulgação pública das gravações, ou de uma nova edição com a transcrição integral de sua fala.”( extraído do site)
Os poemas de Stela , que tinha diagnóstico de esquizofrenia, trazem em linguagem sintética angústias da alma humana. Carl jUng descreveu dois tipos de pensamento: O sintético e o analítico. O pensamento sintético é a linguagem dos símbolos e não segue as regras da lógica formal. no pensamento sintético assim como no inconsciente um objeto ou uma imagem, podem agregar múltiplas significações. Alguém pode ser representante do bem e do mal simultâneamente. Da mesma forma , aspectos da realidade externa reunidos ou justapostos podem sintetizar uma idéia ou uma emoção. Nos poemas de Stela , a noção de realidade se amplifica. Em sua realidade subjetiva , fragmentos, retalhos , pequenas percepções constituem síntese que nos toca a cada momento e descreve muitos de nossos sentimentos: O sentido de pertencer ou não a uma mesma realidade, o espaço de vida e o espaço de morte, a questão da liberdade e da identidade.
Em seguida, alguns dos poemas:
” É dito: pelo chão você não pode ficar
Porque lugar da cabeça é na cabeça
Lugar de corpo é no corpo
Pelas paredes você também não pode
Pelas camas também você não vai poder ficar
Pelo espaço vazio você também não vai poder ficar
Porque lugar da cabeça é na cabeça
Lugar de corpo é no corpo
*
Olha quantos estão comigo
Estão sozinhos
Estão fingindo que estão sozinhos
Para poder estar comigo
Eu já fui operada várias vezes
Fiz várias operações
Sou toda operada
Operei o cérebro, principalmente
Eu pensei que ia acusar
Se eu tenho alguma coisa no cérebro
Não, acusou que eu tenho cérebro
Um aparelho que pensa bem pensado
Que pensa positivo
E que é ligado a outro que não pensa
Que não é capaz de pensar nada e nem trabalhar
Eles arrancaram o que está pensando
E o que está sem pensar
E foram examinar esse aparelho de pensar e não pensar
Ligados um ao outro na minha cabeça, no meu cérebro”
O sentimento de solidão e o instinto gregário aparecem nos poemas como manifestação do desejo e não como necessidade.
Querer estar junto ou necessitar estar junto? Stella traz esse dilema profundo do ser humano, entre outros.
A psiquiatra Nise da Silveira também estudou a riqueza do inconsciente em pacientes psicóticos através de suas pinturas e desenhos. Para Jung a psicose é a invasão da consciência por conteúdos do inconsciente. O fato da consciência não conseguir elaborar os conteúdos, não invalida a riqueza simbólica dos mesmos. Temos ainda muito que aprender sobre a mente humana , “esse aparelho de pensar”como disse Stella.